O Fed decidiu cortar as taxas de juros em 0.5 p.p. como medida de emergência para impulsionar a economia dos EUA em meio aos riscos gerados pelo surto de Covid-19. Este é o primeiro corte emergencial desde a crise financeira de 2008-09. A decisão segue uma retração significativa das condições monetárias, o que exigiu uma intervenção rápida do banco central dos EUA. Esperamos mais um corte em junho para 0,75%.
Além do nível extremamente elevado de incerteza sobre o impacto real do Covid-19 no crescimento, o corte nas taxas confirma que o Fed está sendo impulsionado pela pressão da volatilidade e vem se tornando muito dependente do mercado. Nossa reação à política com parâmetros de variação com o tempo, mostra que o Fed reconheceu cada vez mais importância à estabilização da volatilidade do mercado, em detrimento de suas metas de crescimento e inflação.
Os cuidados com os riscos de credibilidade de longo prazo do Fed. O fato de que o Fed decidiu aplicar o corte após uma declaração dos países do G7 pedindo por votação, mostra que a instituição pode ser o Banco Central com mais espaço de manobra, mas também aumenta a credibilidade de uma organização politizada de agora em diante. Outras demandas virão do Presidente Trump e dos mercados após sua reação agressiva: mais cortes, mais flexibilização quantitativa, menos regulação. Além disso, outras respostas de política a tais medidas para promover o acesso a serviços de saúde ou suporte temporário para lares mais vulneráveis, suporte para empresas em risco para evitar inadimplência, e mais liberdade fiscal, importarão tanto quanto, uma vez que as reações do mercado na última semana mostraram uma dependência excessiva de medidas de gestão de crise.
Outros bancos centrais da Austrália à Europa estão acompanhando ou se sentindo induzidos a fazê-lo: Será a flexibilização global o único jogo possível? Hoje o Reserve Bank da Austrália cortou as taxas de juros para o nível baixo recorde de 0,5% em meio a preocupações com o coronavírus. Em uma declaração de emergência, o Bank of Japan decidiu injetar JPY 500 bilhões (US$ 4,6 bilhões) em títulos do governo para evitar pressões de liquidez e deixar a porta aberta para suporte futuro adicional. O Bank of England também deixou a porta aberta para um corte na taxa de juros (-25bp) até o final do mês, dadas as suas declarações recentes. Esses anúncios seguem uma resposta já forte do Banco Popular da China – incluindo injeções de liquidez (RMB 1,7 tri) e -10bps para a taxa principal de empréstimos de um ano. Essa reação rápida dos bancos centrais do mundo todo mostram que são os últimos recursos entre ferramentas colaborativas, uma vez que medidas fiscais são aplicadas tarde demais ao se enfrentar um choque tão rápido.
O BCE terá que reagir com as próprias armas, embora sua munição de políticas monetárias esteja mais esgotada, especialmente em relação ao espaço de manobra com a taxa de juros. Na reunião de março, esperamos que o BCE reduza a taxa de depósitos para -0,6%. Além diso, medidas para sustentar o financiamento devem ser intensificadas, o que pode incluir condições mais favoráveis de TLTRO, bem como suporte de liquidez direcionado para empresas afetadas pelas consequências econômicas relativas ao Covid-19. Mais um aumento na taxa mensal de compras de flexibilização quantitativa deve ser guardado para outro momento neste ano, uma vez que o BCE pretende manter alguma carta na manga por enquanto. Na Europa, mostramos que os prêmios de risco soberano, indicadores de desequilibrio e volatilidade financeira, medições de incerteza na política econômica e o desempenho no mercado acionário dos bancos pareceram todos relevantes para a tomada de decisão do BCE nos últimos dez anos.
Pode haver um papel para a política monetária conforme o surto do Covid-19 vem consumindo entre -0,5 e -1,5 pontos do crescimento do PIB, dependendo da economia, e cria um risco de liquidez. A oferta monetária global caiu para US$ 3 trilhões em fevereiro de 2020, abaixo de sua média de US$ 3,4 trilhões e em relação à alta de US$ 4,6 trilhões em outubro (ver Figura 1). A flexibilização global é a única ferramenta na mesa, uma vez que estímulos fiscais esporádicos são aplicados de forma não cooperativa pelos países mais afetados (China e Itália, por exemplo).
No entanto, como ainda é provável uma recuperação em forma de V, os riscos corporativos de inadimplência devem estar no topo da lista de observação à medida que a situação se normaliza, uma vez que o Covid-19 e a política monetária mais reativa podem ter agravado as vulnerabilidades existentes.
O que isso significa para os mercados de títulos? De acordo com a nossa abordagem de valoração do Tesouro dos EUA, os dois cortes na taxa definem implicitamente um piso de 1% na trajetória de rendimento de 10 anos dos EUA. No entanto, rendimentos mais baixos ainda são possíveis, caso o Fed faça mais cortes. Uma elevação gradual da curva de rendimento dos EUA até o final do ano é esperada, mas deve permanecer na faixa de 1,0/1,2% no curto prazo.
De modo semelhante ao Fed dos EUA, se o BCE entregar o corte de taxa de 10bps já precificado, isso implicitamente definiria um piso de -0,9% no rendimento Bund de 10 anos. No futuro, a curva de rendimento alemã deve seguir as acentuações dos EUA, mas permanecendo na faixa de -0,5/-0,9% no curto prazo.
O que isso significa para os mercados acionários? O risco de insatisfação é tão alto quanto as expectativas. A volatilidade permanecerá no curto prazo, conforme as informações apresentadas e a credibilidade das respostas políticas dão sinais opostos.