Sumário executivo
A Europa está a caminho de uma reconstrução, há muito esperada, da sua base industrial de defesa. Anos de fragmentação, subinvestimento e dependências externas corroeram a sua capacidade de equipar e sustentar as suas próprias forças armadas. O impulso (geo)político para o rearmamento é agora forte, mas a região precisa de obter financiamento, estratégia e implementação adequados. Se a Europa pretende alcançar uma verdadeira autonomia estratégica, deve não só gastar mais, mas também gastar de forma inteligente, coerente e com a soberania industrial em mente. Para tal, sugerimos cinco caminhos, com alavancas de curto e longo prazo, fazendo um balanço de projetos de outras áreas, e destacando as armadilhas que a Europa precisa de evitar.
1: Aumentar os gastos com defesa e garantir o dinheiro. Os déficits na produção de defesa da Europa decorrem de financiamento inconsistente e insuficiente. A UE gasta apenas cerca de 2,2% do seu PIB em defesa, portanto, o investimento em P&D e capacidade de produção fica muito atrás dos EUA e até mesmo de exportadores de médio porte como a Coreia do Sul. Um gasto de 3% do PIB entre 1993 e 2023 exigiria que os estados-membros da UE alocassem US$ 416 bilhões extras por ano para defesa em termos de PPP de 2020. As soluções de curto prazo variam desde o acesso aos fundos do NGEU ou o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), mas os estados devem ter cuidado para não cair na armadilha da dívida e garantir financiamento de longo prazo para a defesa. Recomendamos que a Europa garanta um Fundo Europeu de Defesa mais forte e devidamente financiado a longo prazo. Ao gastar, a região deve estar atenta à acumulação nacional de fundos, evitar surtos de gastos pontuais e manter-se afastada de
2: Compre produtos europeus em primeiro lugar e alinhe as metas industriais. As compras na Europa continuam nacionais, duplicadas e ineficientes. Os estados da UE operam 17 tipos de tanques e mais de 20 tipos de caças – contra um modelo principal nos EUA. As compras conjuntas permanecem abaixo de 20% do gasto total e, na última década, quase metade das importações de armas da Europa vieram dos EUA. Essa dependência de importações também é visível no nível corporativo. O setor de defesa europeu é altamente fragmentado, com vários pequenos players, e as maiores empresas de defesa da Europa têm, em média, 84% dos fornecedores sediados no exterior (contra apenas 32% das empresas americanas). Israel ou Coreia do Sul oferecem modelos, com políticas de compras que permitem ao governo atuar tanto como planejadores industriais quanto como compradores. Programas americanos como o F-35 (ou seja, compras conjuntas e multinacionais) são outro exemplo. Com base na "Lei de Compras de Defesa Europeia" proposta pela Comissão Europeia, sugerimos que a região se incline para compras coordenadas e metas de colaboração. A recente Parceria para a Segurança e Defesa, que concede ao Reino Unido acesso aos mecanismos da UE para o desenvolvimento e a compra conjunta de equipamentos militares, impulsiona a ambição da região, permitindo que gigantes da defesa do Reino Unido participem do programa de rearmamento europeu. A longo prazo, a Europa precisa integrar mercados e padronizar programas para mobilizar empresas em toda a UE e fortalecer uma indústria regional. A "propaganda de bandeiras" sobre interoperabilidade, o viés nacional em contratos e o enfraquecimento da participação de Estados-membros menores devem ser evitados na implementação dessas políticas.
3: Armar a Europa em larga escala e reconstruir uma cadeia de suprimentos de defesa completa. A indústria de defesa europeia é altamente concentrada, com alguns players de grande porte e um número maior de fornecedores de nível 2 e 3. Estima-se que existam de 2.500 a 3.000 empresas no setor na Europa em 2025, mas isso se compara a 60.000 empresas prestando serviços de defesa nos EUA. Com uma grande parte da cadeia de suprimentos localizada fora de sua base doméstica, realocar uma cadeia de suprimentos abrangente para a região é desafiador, e estimamos que levaria de três a cinco anos para a UE dobrar sua capacidade de equipamentos. Para isso, os governos europeus precisam colaborar estreitamente com os players industriais. Países como os EUA, a Coreia do Sul e Israel conseguiram direcionar suas indústrias para o crescimento tanto no mercado interno quanto no global por meio de uma forte integração com agências governamentais. No curto prazo, recomendamos que a Europa aumente a produção com uma abordagem pragmática (ou seja, incluindo parcerias estratégicas com fornecedores/países de fora da UE) e armazene o máximo possível. Nos próximos cinco anos, o governo deve consolidar indústrias e proteger cadeias de suprimentos, trabalhando em estreita colaboração com o setor e garantindo que PMEs, e especialmente empresas não ligadas à defesa, possam se adaptar e participar de um ecossistema regional. A dependência excessiva de alguns países para a produção deve ser evitada, a burocracia para produções estratégicas deve ser reduzida e os países também devem evitar a concessão de cheques vultosos a campeões nacionais.
4: Inovar para dominar e construir um ecossistema tecnológico de ponta de dupla utilização. A Europa está atrás em inovação tecnológica de defesa. Seu total de P&D em defesa é de cerca de EUR 9,5 bilhões por ano, com integração limitada de dupla utilização (contra US$ 140 bilhões nos EUA). Os EUA lideram em IA, cibernética e aeroespacial devido às sinergias civis-militares (por exemplo, SpaceX, Palantir, laboratórios do MIT). Da mesma forma, o programa Talpiot de Israel e unidades de P&D de elite criaram startups e sistemas de defesa antimísseis de classe mundial. O centro de pesquisa estatal da Coreia do Sul incubou tecnologias essenciais posteriormente comercializadas por empresas privadas. No curto prazo, a Europa precisa aumentar o financiamento de P&D e alavancar os programas existentes, direcionando-os para a pesquisa de dupla utilização. No longo prazo, a P&D de dupla utilização deve ser institucionalizada por meio de centros de inovação, aceleradores de tecnologia de defesa e pesquisa industrial. Os governos devem cofinanciar tecnologias emergentes (por exemplo, IA, quântica etc.) com repercussões civis. O desenvolvimento da força de trabalho em STEM e os mecanismos de compartilhamento de propriedade intelectual entre fronteiras também são essenciais para a autonomia a longo prazo. Para alcançar esse objetivo, a Europa deve evitar financiamentos isolados, manter-se distante de programas "moonshot" e caros, incluir startups e empresas menores, que geralmente têm maior capacidade de inovação, e garantir que a fuga de talentos seja interrompida.
5: Unificar o comando por meio de uma governança coesa. Sem alinhamento de políticas, até mesmo o aumento de gastos e esforços corre o risco de ser desperdiçado. A Europa carece de regras de exportação unificadas, planejamento compartilhado, padrões de interoperabilidade ou uma estrutura regulatória comum. A indústria de defesa europeia sofre com governança fragmentada, fraca aplicação de compromissos conjuntos, controles de exportação divergentes e desagregação industrial. Os processos de aquisição também precisam ser acelerados e simplificados para aumentar a eficiência. Em contrapartida, os EUA se beneficiam de planejamento centralizado, aquisição unificada e política de exportação coerente. Para construir um "comando unificador", a Europa precisa de uma liderança institucional mais forte, mecanismos de coordenação vinculativos e estratégias industriais consolidadas.